TUDA - pap.el el.etrônico

Em associação com Casa Pyndahýba Editora

Ano I Número 12 - Dezembro 2009
Conto - José Geraldo de Barros Martins

feijo

Ilustração: José Geraldo de Barros Martins


Com muito sabor


Ao sair da redação da revista "Le Gourmet" na quinta-feira, Dimas Carlos Tibério transmitia um enorme entusiasmo, pois o nosso protagonista tinha a certeza de que aquele seria o primeiro de uma série de artigos que lhe abririam as portas para o seleto círculo da alta gastronomia. Na terça-feira seguinte ao receber a notícia de que sua matéria fora recusada, Dimas começou a achar que jamais seria mais do que um simples dono de restaurante por quilo, que ficaria condenado para sempre a preparar, salpicão de frango, arroz, feijão, bife-rolé, rondelli de presunto-e-queijo e outras mediocridades …

O artigo em questão se intitulava "A Verdadeira História da Feijoada", e explicava que a feijoada não surgiu como o prato que os escravos faziam com as sobras da comida da casagrande, uma vez que a matemática não batia, pois cada senhor de engenho tinha em média uns quatrocentos escravos, ou seja, as partes menos nobres do porco que sobravam não eram suficientes para tanta gente. Outro fator que demolia este mito era que o sal era muito caro na época, o que obrigava os escravos a se alimentar basicamente de angu e de laranja. Havia ainda a informação que orelha de porco e outras partes, sempre foram consideradas iguarias em Portugal, inclusive constando em antigas receitas. Tudo isso não é grande novidade, o que causava polêmica mesmo, era a tese que reinvidicava que a carne usada primeiramente não era carne suína, mas carne de roedor. Na opinião de Dimas, a origem da feijoada deu-se durante as navegações, quando os marinheiros famintos incrementavam o sofrível feijão servido com os ratos oriundos dos porões das caravelas. Mais tarde, na terra recém descoberta foram usados os animais disponíveis, principalmente a paca e a capivara. Somente com a chegada da suinocultura nas terras de Pindorama é que o panorama se modificou.

Enquanto preparava a feijoda que seria servida no dia seguinte, o nosso protagonista começou a beber uma bagaçeira artesanal que uma amiga sua, também proprietária de restaurante, trouxera da cidade portuguesa de Barcelos. Quando faltava um quarto para terminar a garrafa Dimas avistou uma enorme ratazana. Ficou olhando para ela em silêncio durante uns quinze minutos enquanto balbuciava palavras inenteligíveis, quando então matou o animalzinho a vassouradas e resolveu preparar a verdadeira receita da Feijoada … Comeu sozinho e adorou … achou que jamais comera algo semelhante …

Ao chegar em casa, tarde da noite, contou sua descoberta para esposa que ficou enojada e proibiu-o de beija-lá, e começou até em falar em divórcio … Dimas percebeu então que era só dar uma aparência de higiene que não teria problema nenhum, afinal se tem gente que come hamburguer de minhoca, porque é que não haveria pessoas dispostas a comer carne de rato… Começou então a criar os animais em laboratório, seguindo todas as recomendações da vigilância sanitária, convenceu a família a experimetar e depois os amigos: todos adoravam o prato, que foi batizado de Feijorat ( pronuncia-se Feijorrét ). Só faltava servir no restaurante... para isto, Dimas contou com a colaboração de um hábil assessor de imprensa que publicou uma matéria afirmando que do mesmo modo que a dominação americana impôs o hamburguer no Século XX, a ascenção da China como potência dominante iria fazer com que todo mundo copiasse os hábitos alimentares chineses, entre eles o consumo da carne de rato, e que o restaurante do nosso protagonista ( agora rebatizado "O Rei da Feijorat" ) estava na vanguarda ao incorporar esta tendência estrangeira à tradição brasileira, tal qual os modernistas e tropicalistas.

No início somente yuppies e a comunidade chinesa frequentavam o local, mas com o passar do tempo o público foi crescendo, crescendo e crescendo mais ainda, sendo que Dimas passou a ampliar o cardápio com uma versão light ( a Feijohamster ), com pratos da culinária baiana ( Acararat e Abararat ) e até francesa ( Cassourat ).

Dizem que ele estuda até a criação de franquias para o ano que vem …